Sonhadora Inata

Não preciso de amigos que mudem quando eu mudo e concordem quando eu concordo. A minha sombra faz isso muito melhor. (Plutarco)

terça-feira, dezembro 05, 2006

50º Poema do Livro – “O homem ou é tonto ou é mulher”

Gostava de vos dizer uma coisa para terminar.

Às vezes tenho medo, muito medo.
Às vezes sofro.
Às vezes, penso nas pessoas que amo e penso na possibilidade de as perder.
Às vezes vejo alguém doente e fico incomodado.
Pode não ser um amigo ou um familiar.
Posso estar a vê-lo pela primeira vez.
Mas fico incomodado.
Aquela doença pertence-me.

Todas as doenças pertencem a toda a gente.
Todos os sofrimentos pertencem a toda a gente.
Todas as mortes pertencem um pouco a toda a gente.
Às vezes sinto isso muito,
outras vezes sinto menos.
Quando sinto menos posso preocupar-me com o mundo, brincar com a poesia, com a filosofia e com as palavras.
Mas quando sinto, deixo de conseguir pensar.
Quando sofro ou sinto o que alguém sofre, deixo mesmo de querer ser inteligente.
Deixo de querer parecer inteligente.
Se estivermos cheios a sentir, não temos espaço para pensar.
Não fazem sentido as lógicas, as filosofias, as discussões.
Todo o nosso corpo sente.
E o que resta? Nada.
Só existe aquela morte, aquela doença, aquela velhice.
Só aquele pai que amo e está a envelhecer. Só aquela mãe que amo e está a envelhecer.
Só aquele amigo que morreu num estúpido acidente.
Só aquele amigo que se tornou amargo porque a mulher o deixou.
Só o amor e a falta de amor.
As mulheres que nos enganam e as mulheres que são enganadas, as mulheres e os homens que enganam.
Os amigos que deixam de o ser, alguns inimigos que morrem, e temos pena.
Que importa o resto?
Onde está o livro importante?
O filme que resolve?
Podemos chorar à frente de um quadro, mas não resolve nada.
Podemos pintar um quadro, escrever um poema, mostrar às mulheres bonitas como somos bonitos, exibir o nosso corpo, mas que adianta?
Estamos sozinhos.
Se não estamos, vamos estar.
Os amigos vão-nos deixando, vão-nos deixar.
Vão morrer ou nós vamos morrer.
Ou então deixam de nos telefonar, ou então deixamos de lhes querer telefonar.
Estamos sozinhos. As pessoas que amo vão morrer.
Os livros não resolvem nada. A poesia é bonita e por vezes descansa, acalma, mas não resolve nada, não resolve nada.
Somos artistas ou não somos, e qualquer coisa que seja não adianta nada e nada impede.
Escrevemos poemas, mas não ajudam ninguém.
Escrevemos peças de teatro, sorrimos, tentamos pensar, tentamos ter ideias, tentamos distrair as pessoas, tentamos fazer pensar as pessoas, tentamos fazer chorar as pessoas, e isso é bom, e até pode ser bonito, mas não adianta nada, não resolve nada,
não adianta nada.


in Gonçalo M. Tavares, O homem ou é tonto ou é mulher.
Porto: Campo das Letras, 2002. pp. 74-76


7 Comments:

Blogger GUIA DO APOSTADOR said...

Inteligente e perspicaz, em forma de versos. Boa escolha. Um abraço e, claro, votos de uma boa semana!

terça-feira, dezembro 05, 2006 3:36:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

...:)))))))) bem, não adiantará nada...Mas deixava aqui dois pensamentos. Um, dizem, de Skakespeare, outro de Buda, respectivamente: "Não há nada bom nem mau: é o pensamento que faz as coisas serem uma e outra coisa"; " a nossa vida é uma criação da nossa mente".
....:)))))) Sei quão é difícil, às vezes, fazer os pensamentos e, por conseguinte, sendo esses dois verdades, também será difícil criar a nossa vida.
....:)))))Agora, diria, o que é uma verdade incontornável: a Vida criou o homem e a mulher...e nós criamos os tolos, á nossa imagem - porque (os tolos) não existem na Natureza - tal como criamos Deus porquanto nos achamos a forma perfeita...:))))))))

...:)))))))) Adiantando com um beijo

terça-feira, dezembro 05, 2006 6:15:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

:) a vida é uma inconstante, sempre em mudanca :) Bjokas

quarta-feira, dezembro 06, 2006 5:06:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Olà Miga...
Bonito, bonito mesmo e quanta veredade neste texto, hà momentos em que me revejo completamente com o que escreves-te, é a vida.....


Beijo

domingo, dezembro 10, 2006 10:14:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Muito ...muito interessante este poema...gostei

Beijinhos

sexta-feira, dezembro 15, 2006 10:59:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Este poema do Gonçalo exprime estados de alma que não me são estranhos.
Sou fã do Gonçalo. Conheço poemas dele por ler no blog. A minha frustação é que não encontro o livro cá pela "terra". Fiz mesmo uma encomenda on-line à FNAC e passados uns 2 meses obtive a lacónica resposta da não existência em stock apesar de no site deles isso não estar referido.
Enfim...

Bjnhs "Essa" e um Bom Natal ;)

segunda-feira, dezembro 18, 2006 3:05:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Ora viva!

Hoje não venho comentar nem tão pouco ler. Deixo isso para outro dia, com todo o gosto.
Vim apenas fazer publicidade descarada e como já estou naquela fase em que faço tudo o que me apetece e todos me ignoram pois já estão habituados, então cá vai...
Começou a atribuição dos blogjobs do shakermaker.
Por isso, já pode confirmar se foi um dos contemplados com tão desprestigiante galardão.
Atenção: não tome isto como desconsideração. Afinal, isto é apenas uma brincadeira e se não fosse um visitante quase assíduo deste blog não viria aqui de todo.
Já agora, aproveito também para lhe desejar Boas Festas!

Um abraço...
shakermaker

quarta-feira, dezembro 20, 2006 10:58:00 da manhã  

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