Sonhadora Inata

Não preciso de amigos que mudem quando eu mudo e concordem quando eu concordo. A minha sombra faz isso muito melhor. (Plutarco)

terça-feira, maio 23, 2006

Regresso a casa


Sabe bem regressar a casa quando nos perdemos de nós. Retomar ao abrigo com a convicção que pertencemos a algum espaço, a alguma coisa, mesmo que a sensação seja ingenuamente ilusória. Hoje tornei a casa e gostei de voltar. Confesso que senti falta de algumas coisas mundanas: o sofá da sala, os livros, o aconchego da cama…Mas sobretudo das imensas planícies a perder de vista, as que não alcanço da janela do meu prédio, mas que estão ali, logo a seguir a uma fileira de casas caiadas do outro lado da linha imaginária do horizonte.

Sabe bem despojarmo-nos dos problemas nesta intimidade tranquilizadora, no calor do nosso espaço, no refúgio temporário às agressões quotidianas do mundo exterior…Sabe bem regressar a casa, mesmo nos dias em que a sentimos vazia e os objectos exauridos de significado.
Regressei de uma viagem imaginária, de uma das muitas viagens interiores que faço de quando em vez. Confesso: não gosto de desaferrolhar fantasmas do passado e, muito menos, projectá-los no futuro. Mas, por vezes, é inevitável confrontarmo-nos com os nossos dilemas, os nossos medos… com as angústias que nos afligem os dias dourados tornando-os em cinzentos mortiços.
O tempo parou no relógio que me cansei de usar. Dá-me prazer a contemplação do nada. Sentir a brisa da noite a entrar pela varanda do quarto trazendo com ela os aromas da planície. Gosto do silêncio brando das paredes da casa, do amanhecer prematuro dos dias de estio e das sombras frescas das árvores que abraçam as paredes exteriores da minha guarida branca. Sei que hoje preciso respirar a casa, despejar o peso do universo por todas as divisórias para me libertar do cansaço latente que me persegue. Sei que a nossa casa é essencialmente um estado de alma e será sempre o lugar onde nos sentirmos confortáveis…Hoje pronunciei: “A minha casa és tu”… mas num tom moderado com receio que, na distância, pudesses ouvir a minha voz … Há palavras excessivamente perigosas que devemos guardar como um segredo e, não sei se estás preparado para ser a minha “guarida branca”.

Cerro os olhos…ao mesmo tempo que as silhuetas da casa se fecham sobre mim…é sempre um prazer regressar quando nos perdemos de nós…!