Sonhadora Inata

Não preciso de amigos que mudem quando eu mudo e concordem quando eu concordo. A minha sombra faz isso muito melhor. (Plutarco)

sexta-feira, julho 28, 2006

O Amor tem desta Solidão


Nos dias em que a solidão é mais funda
Quando não te encontro nas curvas da cidade
Por ruelas estreitas e miradas soturnas
Vou deixando vaguear as marcas da saudade.

Já não te oiço em dias como outrora
Gargalhando histórias de desígnios mansos
E já os astros dançam em boreal aurora
Amanhecendo os nossos íntimos recantos.

Já não te vejo na placidez da paisagem
És tão-só a sombra raiando a madrugada
O espectro exausto na fugaz miragem
Do desejo gasto em pedras da calçada.

Geme o murmúrio infatigável do afecto
Devolvido em ruas povoadas de silêncio
E procuro ainda na cidade um céu aberto
Para espraiar o sarro amargo a desalento.

Nos dias em que a solidão é mais intensa
Procuro-te aqui e em todos os lugares
Porque não sei viver da tua ausência
Sem a conivente plenitude dos olhares…

sexta-feira, julho 21, 2006

Quero intacta a solidão das minhas noites

Quero intacta a solidão das minhas noites
Sem amotinados gestos de carícias confiscadas
Ás tuas mãos que são arados de outras estradas
Fragatas de outros mares em que tu foste
O dourado pôr-do-sol de vãs promessas
Que se esgueiraram pela mansidão das finas frestas
Do abrigo empertigado onde me deito.
E na quietude impávida do meu leito
Guardo estilhaços de quimeras destruídas
Memórias que acalento à silhueta
Do reflexo em que encenei as nossas vidas.
Procuro, agora, à noite, a vereda estreita
Em que me aninho na secreta destemperança
Daqueles para quem o tempo avança
E não alcançam a luz sólida e perfeita.
Por isso, enquanto a angústia me aconchega
Nas brancas insónias desferidas no silêncio
Eu fantasio na escuridão um amor imenso
E enquanto o sonho solto em mim não chega
Quero intacta a solidão das minhas noites …

terça-feira, julho 18, 2006

Quando foi que me perdi de nós...?


Perdi-me de nós
Quando olhei nas mãos vazias
E não vi o teu corpo
Apenas o fundo do copo
Que balanço entre os dedos
E entre um ou outro segredo
Que vou revelando ao cansaço
O gosto do whisky de malte
Devolve-me a vontade morna
Do cingir do teu abraço.

Bebo trémula, nos meus medos,
Os restos da cobardia frágil
Que deixo alastrar nos acordes
De uma melodia suave.

Já não corro ao teu encontro
Apenas demoro o desencontro
Em suspiros tépidos
Que arranco ao desalento
Do tempo em remanso…

E já não sei do toque manso
Dos teus dedos
No enleio dos meus cabelos,
Do roçar da cerda dócil
Sobre a pele,
Do volutear feliz dos corpos
Imprudentes…

Quando foi que me perdi de nós?

Procuro-te ainda
No fundo do copo
Que esvazio sobre
A fogueira inteira
Que me arde no ventre
Neste vazio concreto
E complacente…

Hoje, sou eu, que te invoco
Neste alento de mulher
No recesso de um bar
De uma noite qualquer…

sexta-feira, julho 07, 2006

Amanhecendo em ti


É da tua boca o gosto das cerejas matinais
Quando os nossos lábios se descobrem ao nascer
Do sol, nas áleas quedas da cidade, ancestrais,
Onde vagueia a frutuosa brisa do prazer.

E o tempo pára sem urgência nesse instante
E sem pressa me aconchego no teu corpo
Como um navio que acosta no seu porto
E do revoltoso mar já só evoca o som distante

Amanhece em nós a euforia dos sentidos
Na tua pele a minha pele consumida
Estremece a cada gesto impaciente da investida

E já despontam sonhos derramados em sorrisos
Quando a manhã acorda em tons de fogo e de doçura
Deixando nos lençóis o aroma etéreo da ternura…